[Resenha] O Ataque de Lampião à Mossoró

Existem histórias que marcam a memória de um povo de tal forma que são elevadas ao status de lenda, passando a ser contadas e recontadas de tempos em tempos. Essas narrativas consagram (para o bem ou para o mal) heróis e vilões e se tornam parte do imaginário popular. Quanto mais controverso o personagem, mais intrigantes parecem ser os relatos sobre essa figura, não é por acaso que a biografia e desventuras de Virgulino Ferreira, o temido cangaceiro “Lampião”, sejam matéria-prima para obras de diferentes mídias.

O ataque de Lampião à Mossoró narra o histórico embate militar entre o lendário cangaceiro e a resistência mossoroense.

Na odisseia de Lampião pelo sertão nordestino, a cidade de Mossoró foi cenário de um capitulo dos mais memoráveis. Foi lá que, em 1927, foi imposta ao fora da lei sua mais marcante derrota, um feito do qual os mossoroenses tanto se orgulham quanto o reencenam. Em O Ataque de Lampião à Mossoró[1], a investida do “Rei do cangaço” à capital do oeste potiguar é revisitada em quadrinhos sob o roteiro de Emanoel Amaral e desenhos de Aucides Sales.

Na História em Quadrinhos de Amaral e Sales, Lampião decide atacar Mossoró após ser convencido de que o local era rico e desprotegido. Nesse intuito, o líder dos cangaceiros convoca seus homens e inicia uma marcha rumo à Mossoró. Enquanto isso, informações sobre as intenções do bandoleiro chegam aos ouvidos de Rodolfo Fernandes, o prefeito da cidade, que tenta (sem muito sucesso) obter apoio para reforçar a segurança do município.

Tentando evitar o enfrentamento, Lampião envia mensageiros a fim de comunicar sua demanda por uma quantia em dinheiro em troca da desistência de saquear a cidade, porém Rodolfo Fernandes não sede às ameaças e se coloca disposto a resistir aos invasores. Chegada a hora do confronto, Mossoró é evacuada e apenas os homens dispostos a defender o território ficam a postos à espera dos bandoleiros. Durante o combate, a falta do elemento surpresa pesa contra os cangaceiros, que tentam alguns subterfúgios que terminam malsucedidos e condenam a investida ao fracasso.

A obra resume em menos de trinta páginas uma trama que poderia ser melhor explorada com o dobro de espaço ou em forma de mini série. Ainda assim, tem êxito em sintetizar os elementos principais da narrativa mantendo-a compreensível em seu cerne. A forma como o enredo ilustra as estratégias militares e o jogo de intimidação realizado por ambos os lados resulta em um dos segmentos mais interessantes da obra.

Há uma notável preocupação dos autores em respeitar e representar os acontecimentos de forma muito próxima ao documentado em registros históricos. É visível o trabalho de pesquisa para reproduzir de maneira fidedigno detalhes da ambientação como cenários e figurinos, além de aspectos visuais dos personagens. Cada personagem tem uma fisionomia bem definida e a caracterização dos cangaceiros com seus acessórios e adereços também é destaque. O gibi consegue ilustrar com eficiência o modo de atuação e estratégias destes. Durante o clímax, destacam-se as cenas de tiroteio em perspectiva, que valorizam o espaço onde a batalha ocorre.

No texto da HQ prevalece a atenção ao lado informativo em detrimento a uma narração romanceada, deixando de lado elementos dramáticos e se concentrando no caráter factual do enredo. O relato conta com muitos recordatórios que explicam quem são os personagens, contextualizam detalhes como datas em que os fatos ocorrem e outros pormenores, além de reforçar informações já mostradas nos quadros, e ajudar a completar lacunas deixadas entre uma sequência e outra.

Entre uma adaptação literal, e uma reinterpretação mais livre e alegórica, O Ataque de Lampião à Mossoró não deixa duvidas de que suaopção é pela primeira e, dentro da proposta que abraça, executa com sucesso. Se o excesso de indicações e a narração explicativa a diminui do ponto de vista literário; por outro lado, reforça as referências apresentadas e enriquece o viés documental e educativo da obra.


[1] História em Quadrinhos publicada originalmente na revista Igapó nº 1, de 1981.

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