[Resenha] Protocolo Laila – Os Viajantes das Dunas

O temor e o fascínio da humanidade por histórias que narram ou prenunciam seu fim é algo antigo. Desde milhares de anos, mitos e textos religiosos aludem a cataclismos que dariam fim à passagem da espécie pela Terra. Com o passar do tempo, esses mitos foram atualizados e o homem deixou de ser apenas a vítima dos desígnios e juízos de forças superiores para ser o responsável por sua extinção de forma mais ativa, seja através de ações equivocadas relacionadas à aplicação abusiva da tecnologia ou má gestão de recursos naturais. Esse mote é recorrente em obras de ficção científica desde a origem o gênero.

Protocolo Laila narra em retrospectiva eventos que quase extinguiram a humanidade.

Nesse âmbito, Protocolo Laila – Os Viajantes das Dunas (2021), História em Quadrinhos de Renato Medeiros (roteiro) e Rodrigo Xavier (arte) revisita elementos introduzidos em A Cidade Asfixiada: Visões do Futuro e apresenta a história de um futuro pós-apocalíptica em que a humanidade quase sucumbiu à extinção, após uma conjunção de catástrofes e transformações climáticas, provocadas pela ação humana, e que tornaram a sobrevivência na superfície um feito quase impossível.

Na trama, Everton, o funcionário de um departamento governamental, encontra Laila, uma das mais antigas cidadãs daquela sociedade, no intuito de colher informações acerca de fatos pregressos e, com isso, registrá-los de modo oficial. Nesse sentido, a anciã, que descende de uma das famílias responsáveis pelo reestabelecimento da civilização humana, é estimulada a recordar acontecimentos que lhe foram repassadas oralmente.

É através do depoimento que a idosa concede à Everton, que o leitor é exposto aos cruéis eventos pelos quais grande parte dos habitantes do planeta não sobreviveu. É dito pela personagem que a subsistência só foi possível graças a um plano de contingência de um geólogo que construiu um abrigo onde seria possível resistir às intempéries da natureza. Depois de um longo período de resguardo que ultrapassou três séculos, a escassez de recursos fez com que fosse necessário partir em buscar de novas opções. A esperança renasceu quando um pequeno grupo foi encorajado a desbravar a superfície novamente.

Como a HQ se baseia quase que completamente no relato de Laila, o quadrinho tinha potencial para se tornar uma leitura entediante, porém, graças à escrita envolvente e de como dialoga com as ilustrações que o complementam, o texto consegue despertar curiosidade sobre como se desenrolaria aquela cadeia de eventos. Com exceção de certo segmento em que o texto entra em uma espécie de “espiral” em que se alonga é um tanto redundante a respeito do tempo em que o confinamento se deu, o texto se encaminha com uma boa fluidez.

O realismo e detalhismo da arte ajudam a construir um senso de seriedade, gravidade e verossimilhança à trama, além de conseguir transmitir a ideia da dimensão da catástrofe e da relação de escala entre os seres humanos e o espaço em que eles ocupam. Em várias ocasiões, o homem é colocado como pequeno em contraste com a grandiosidade espacial de paisagens naturais ou construídas, indicando uma relação à pequeneza do homem diante da reação da natureza.

O quadrinho tem espaço para refletir sobre a exploração desenfreada e distribuição desigual dos recursos, e do instinto autodestrutivo dos seres humanos e sua aptidão para a própria extinção. Este pensamento é demonstrado pelas observações e pelo sentimento de consternação de Laila em relação aos momentos de aflição que seus ancestrais viveram e que ela antevê que está fadado a se repetir.

Como já foi dito por narrativas de origem distinta, todo apocalipse em potencial também pode significar um novo começo. A capacidade da humanidade de aprender (ou não) com seus erros, pode ser a diferença entre a continuidade ou não da espécie. E essa talvez seja a principal mensagem a ser extraída de Protocolo Laila – Os Viajantes das Dunas.

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