[Onomatopeia Entrevista] PLAFTZ! Gabriel Andrade Jr: talento construído com tempo e perseverança

Modéstia e serenidade são qualidades que transparecem nas palavras de Gabriel Andrade Jr quando o artista fala de sua carreira. Pouco mais de uma década depois de seu primeiro trabalho, o quadrinista tem uma trajetória rica em realizações para um profissional ainda jovem. Seu traço se destacou a tal ponto, que o aclamado roteirista Alan Moore (criador de Watchmen, A Piada Mortal e V de Vingança, entre outros) se interessou por trabalhar com ele, e essa parceria  foi “a cereja do bolo” de uma carreira já consolidada.

Durante mais de uma década Gabriel Andrade Jr manteve uma produtiva colaboração com editoras norte-americanas.

Nascido em 1984 e criado em Macau (RN), Gabriel descobriu a paixão pelos quadrinhos quando criança, ao ganhar uma revista do Chico Bento. Praticamente na mesma época, seu gosto pelo desenho despertou e sua habilidade para a arte só se aperfeiçoou. Encorajado por amigos da capital do estado, em 2007, Gabriel se lançou em busca de oportunidades em editoras estrangeiras e, The last convert of John Harper e Aliens: More Than Human 2 foram suas cartas de apresentação ao mercado americano. 

Daí em diante, Gabriel manteve uma produtiva colaboração com editoras norte-americanas como Boom! Studios, Dark Horse e, em especial, com a editora Avatar Press, com a qual esteve ligado por mais de 10 anos. No currículo do Macauense constam ilustrações para histórias e capas relativas à séries e coletâneas especiais como: Die Hard: Year One (2010-2011), Lady Death (2010-2013), Ferals (2011-2013), God is dead: The Book of Acts (2014), Crossed Plus One Hundred (2015-2017), Lookers: Ember (2017), Cinema Purgatório (2017-2018), entre outras. Seu trabalho mais recente, Les Enquêtes de Machiavel – Tome 1(2021), marca uma nova fase de sua vida profissional, agora como ilustrador de um álbum europeu.

Na entrevista a seguir, o quadrinista fala sobre suas inspirações, seus primeiros trabalhos, sua trajetória nos quadrinhos, além da parceria com o icônico roteirista britânico.

Onomatopeia: Para começar, eu gostaria de saber onde e quando você nasceu, como é que foi sua infância e quando os quadrinhos entraram na sua vida?

Gabriel Andrade: Rapaz, muitas perguntas logo de cara, mas segue uma resposta resumida.
Eu nasci em julho de 1984, numa pequena cidade litorânea do RN chamada Macau, onde passei a maior parte da infância e adolescência. Meu primeiro contato com os quadrinhos se deu quando um tio me presenteou com uma revistinha do Chico Bento. Como eu sempre gostei de rabiscar e de ler, aquela foi uma descoberta fenomenal. Logo eu me vi como um colecionador de quadrinhos, guardando o dinheiro da merenda da escola para comprar mais e mais revistas.  

Onomatopeia: Você sempre teve essa inclinação para o desenho ou esse interesse aflorou em alguma fase da vida em específico? O que você mais gostava de desenhar durante a infância e juventude?

G. Andrade: Sou filho de pais professores, a leitura sempre esteve presente por toda minha vida, a inclinação ao desenho nasceu muito cedo, quando eu tentava reproduzir, de maneira muito precária, tudo que via, mas sempre foi um hobbie, eu não fui uma criança talentosa ou habilidosa, essas coisas eu construí com tempo e perseverança. Na adolescência todos meus amigos desenhavam muito bem e eu nem tanto. Foi nessa época, que resolvi levar mais a sério. Aprofundei-me no mundo das artes, música, literatura e cinema. Eu recolhi um enorme repertório, mas essas coisas não me ajudavam muito na vida e na minha realidade. Foi somente quando me mudei para a capital e fui para faculdade, que descobri que podia fazer de minhas habilidades uma profissão. 

Onomatopeia:Você tem um estilo de desenho bastante calcado no realismo. Que artistas foram influentes durante a formação e que elementos você absorveu de cada um deles?

G. Andrade: Embora eu tenha algumas influências clássicas no meu jeito de pensar a arte que faço, eu não me recordo de ter copiado um desenho ou estilo. A minha ideia sempre foi reproduzir o que eu via no mundo à minha volta. A princípio, eu queria ser um desenhista de mangá, mais por influência dos animes que consumia. No entanto, eu não conseguia me restringir ao estilo. Eu realmente gostava de passar um tempo detalhando coisas.
Trabalhando com quadrinhos, eu me deparei com outras coisas que um profissional precisa atentar, como a estilística e narrativa. Foi quando algumas influências e artistas realmente me ajudaram a construir meu estilo. Alguns deles são: Katsuhiro Otomo, CLAMP, Moebius, John Buscema, Manara, Adam Hughes e José Luiz Garcia Lopes.    

O traço de Gabriel já ilustrou capas e histórias para revistas de gêneros variados.

Onomatopeia: A partir de que momento você passou a vislumbrar no desenho uma perspectiva de carreira? 

G. Andrade: Foi em 2007, quando eu estava cursando a faculdade de Música na UFRN e morando em Natal (RN). Eu conheci muitas pessoas e artistas que me incentivavam a fazer testes para editoras e me ensinaram como acessar o mercado. Quando peguei meu primeiro trabalho, não tive dúvidas, era aquilo que eu queria fazer e larguei tudo para investir na carreira. 

É verdade que você nunca tinha desenhado quadrinhos antes de trabalhar profissionalmente com a nona arte? 

G. Andrade: É verdade, eu nunca tinha sequer feito um fanzine, mas passei um ano inteiro focado e estudando pesado até surgir meu primeiro trabalho. 

Onomatopeia: Antes de se profissionalizar nos quadrinhos, você chegou a fazer faculdade de música e economia. Como é que foi essa mudança de foco na sua vida?
G. Andrade: Foi drástica, mas necessária, pois eu senti uma satisfação muito grande por ter finalmente me “encontrado” nos quadrinhos. Meus conhecimentos ganharam um propósito de realização, e, até hoje, é muito gratificante trabalhar nisso. Embora eu nunca tenha deixado de estudar filosofia, economia, política e música, agora esses são meus hobbies favoritos. 

A HQ autoral Dried Root está em hiato graças à agenda lotada do quadrinista.

Onomatopeia: Como foi seu processo de profissionalização na área? Você enviou portfólio para editoras? procurou uma agência? Qual foi seu primeiro trabalho em quadrinhos?

G. Andrade: Tudo isso. Mas meus primeiros trabalhos, digo isso porque foram simultâneos, foram para editoras americanas muito distintas e em processos muito distintos. Primeiro veio a The last convert of John Harper pela editora independente Atlantis, uma HQ histórica sobre a tragédia do Titanic. Ao mesmo tempo, a Dark Horse me chamava para concluir uma HQ da série Aliens, contato feito através da minha agência na época, a Impacto Quadrinhos.

Foi assim que o mercado me apresentou suas múltiplas oportunidades, com exigências, prazos, relacionamentos, taxas e pagamentos completamente diferentes.

Onomatopeia: Você colaborou com Aliens: More Than Human e Die Hard: Year One, histórias relacionadas com franquias cinematográficas de sucesso. Você era fã dessas cinesséries? Isso foi uma motivação a mais para seu trabalho?

G. Andrade: Eu sou um fã e pesquisador da área de cinema, foi uma enorme surpresa ser escalado para esses trabalhos, mas, isso também fazia parte da minha estratégia de entrar no mercado fazendo coisas que eu gostava de desenhar, para que eu não corresse o risco de ficar saturado cedo. 

De monstros aterrorizantes à mulheres sensuais, Gabriel Andrade Jr. já desenhou um pouco de tudo.

Onomatopeia: Como é sua rotina como desenhista? Como você administra o tempo de trabalho e concilia com sua vida pessoal e social? Quantas horas por dia você dedica ao desenho?

G. Andrade: Eu começo cedo. Sou mais produtivo pela manhã. Trabalho de 6 a 8 horas por dia, com exceção do domingo, a não ser que o prazo esteja apertado ou eu tenha que viajar.

Para mim, é um emprego normal, sou muito organizado com meu tempo e não sou dado a excessos, assim tenho tempo para o que eu quiser fazer.  


“Não há muita liberdade criativa nos EUA, você tem que seguir a cartilha estilística deles (…) Mas dá pra fazer coisas mais criativas nos quadrinhos independentes. No entanto, ainda é uma indústria bem opressiva, com prazos apertados e exigências. (…) Na Europa isso é bem mais livre, eles querem o melhor que o autor tem a entregar. Isso torna os prazos mais elásticos, melhores pagamentos, mais qualidade de vida e mais liberdade criativa.”

Onomatopeia: Em que momento ou trabalho você considera ter atingido um nível de maturidade como artista e contador de histórias?

G. Andrade: Para mim, isso ainda não aconteceu. E considero que sempre estarei na estrada correndo em busca desse alvo, pois, ao parar de buscar por excelência a estagnação chega e o tesão acaba. 

Onomatopeia: Há alguns anos, você publicou no seu blog artes para o trabalho autoral Dried Roots que é descrito como “um Sci-Fi futurista pós-apocalíptico, com influências Cyberpunk, Low Tech e um pouco de filosofia existencial”. Em que estágio se encontra esse trabalho? 

G. Andrade: Parado, pois o trabalho não para de aumentar. Toda vez que tento planejar umas férias chega uma “proposta irrecusável”. (risos)  

A parceria com Alan Moore em Crossed Plus One Hundred deu maior visibilidade ao trabalho do artista.

Onomatopeia: Você trabalhou em colaboração com o premiado roteirista inglês Alan Moore no quadrinho Crossed Plus One Hundred. Como se deu o contato entre vocês? 

G. Andrade: Eu passei mais de 10 anos como artista exclusivo da Avatar Press, e o Alan Moore publicava quadrinhos por lá. Fizemos uma antologia de God is Dead,  e o Alan Moore viu meu trabalho em uma das histórias, daí falou com o editor para me convidar para seu próximo projeto. 

Onomatopeia: Moore tem a fama de ser um roteirista minucioso e bastante rígido em relação à representação de seu roteiro em imagens. Como foi a experiência de trabalhar com ele? 

G. Andrade: Nosso relacionamento foi muito bom, pois temos um nível de exigência muito parecido. Ainda temos mais um projeto que está em segredo, mas espero que esse ano finalmente ele seja publicado, pois já está finalizado desde o ano passado.

Onomatopeia: Qual foi o maior desafio desse trabalho? e como essa experiência repercutiu em sua reputação no mercado e na mídia?

G. Andrade: Não houve um desafio, a gente passou um mês pesquisando e construindo o mundo, o cenário, os personagens etc. Isso me deu segurança para ilustrar com propriedade. Mas confesso que, no início, eu fiquei bem tenso, pois eu sabia que atrairia muitos olhares e que serviria como portfólio “carta de apresentação” do meu trabalho, aonde eu fosse. E assim foi. Meu trabalho de repente ficou conhecido no mundo, as portas de outros mercados se abriram pra mim depois disso. 

Onomatopeia: Seu trabalho mais recente, Les Enquêtes de Machiavel, é uma colaboração com a editora francesa Glénat, um suspense histórico (com roteiros de Jean-Marc Rivière). Você já acompanhava quadrinhos europeus? 

G. Andrade: Sim, eu sempre acompanhei os quadrinhos europeus e essa era a minha meta no início, mas era mais fácil entrar nas editoras americanas.

Depois de anos dedicado ao mercado americano, Gabriel experimenta ilustrar um album europeu.

Onomatopeia:O quanto de pesquisa foi investido nesse trabalho? Para um desenhista detalhista como você, o quanto isso é trabalhoso e o quanto é divertido esse processo?

G. Andrade: Foram dois meses de pesquisa e estudos para reconstruir os cenários históricos com certa precisão. No entanto, foi mais difícil me acostumar com o tipo de linguagem narrativa deles. Passados esses momentos, tudo foi emocionante e tenho muito orgulho desse meu primeiro álbum.

Onomatopeia: Baseado em sua experiência, qual a principal diferença entre trabalhar num quadrinho americano e um quadrinho europeu, em termos de prazos, formato, liberdade criativa e etc.?

G. Andrade: Não há muita liberdade criativa nos EUA, você tem que seguir a cartilha estilística deles, principalmente no que diz respeito aos quadrinhos de super-heróis. Mas dá pra fazer coisas mais criativas nos quadrinhos independentes. No entanto, ainda é uma indústria bem opressiva, com prazos apertados e exigências. Mas é um bom aprendizado pra quem almeja ser um bom profissional.

Na Europa isso é bem mais livre, eles querem o melhor que o autor tem a entregar. Isso torna os prazos mais elásticos, melhores pagamentos, mais qualidade de vida e mais liberdade criativa. Contudo, não deixando de exigir uma linguagem narrativa mais precisa e mais bem elaborada.   

Onomatopeia: Se você pudesse montar uma lista músicas que representasse diferentes momentos da sua carreira no desenho, que canções você elencaria? E a que momentos essas músicas remetem?

1- Catedral – Luar do Oriente; Minha infância e adolescência.

2- Annie Lennox – Into the West; Quando larguei tudo para investir na minha carreira.

3- Dream Theater – Constant Motion; Minha temporada na Avatar Press.

4- Within Temptation – Whole World is Watching; Minha temporada trabalhando com Alan Moore.

5- Arch Enemy – No gods, No Masters; O desafio de ir trabalhar nas editoras na Europa. 

6- The Verve – Lucky Man; A publicação do meu primeiro álbum.

7- Travis – Why Does It Always Rain On Me?; O período de incertezas da pandemia e a morte de meu pai.

8- Heilung – Anoana; Meu retorno ao trabalho.

9- Kalandra – Borders; Meu momento atual.

Cite uma onomatopeia (que você goste da grafia, sonoridade ou que tenha um significado especial para você). A proposta da entrevista é ter uma onomatopeia no título. 

Plaftz!

2 comentários em “[Onomatopeia Entrevista] PLAFTZ! Gabriel Andrade Jr: talento construído com tempo e perseverança”

    1. Obrigado pela visita e pelo comentário. Sinta-se convidada a retornar e conhecer mais do nosso conteúdo. Temos matérias, resenhas e outras entrevistas sobre quadrinhos que você também pode gostar.

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