[Resenha] Ladrões de mundos

Ladrões de mundos (2022), História em Quadrinhos com elementos de ficção científica escrita e ilustrada por Mario Rasec, apresenta uma aventura ambientada em um universo estéril de recursos naturais e economicamente dependente de elementos oriundos de outros universos. Neste lugar, o Sino de Criação, agência responsável por criar e explorar outros universos, é administrada pelo Bispo Supremo (figura que corresponde, simultaneamente, a um líder religioso e corporativo) e operada por clones que respondem por códigos em vez de nomes e dedicam-se exclusivamente ao propósito de cumprir sua função.

Ladrões de mundos mostra a jornada de um funcionário de uma empresa que cria e explora planetas tentando corrigir um erro atribuído a ele.

Na história, o clone conhecido como 00X1 é informado que uma suposta falha cometida em seu trabalho resultou no planeta sendo “cuspido para fora do sistema de origem”. Para corrigir o equívoco, o funcionário é enviado a uma região desértica onde deve buscar a orientação necessária para encontrar o planeta perdido. No caminho, a nave pilotada pelo protagonista apresenta defeitos e colide com o solo. O clone sobrevive ao incidente, mas fica perdido em meio ao deserto, até ser encontrado por Lou, uma traficante de drogas que lhe oferece carona.

Ao chegar ao seu destino, 00X1 é informado de que o planeta estava definitivamente perdido e que, por seu erro, ele estaria condenado a “uma liberdade sem propósito”. Desolado, o clone volta a se reunir com sua companheira recém conhecida e com quem terminaria se associando em prol de objetivos comuns, especialmente após descobrir estar sendo vítima de um esquema que visava ocultar os planos de extração irregular de um precioso minério.

A HQ apresenta um universo ficcional atraente e que, apesar de ser narrada em mais de 100 páginas e ter uma história de fundo complexa para introduzir afim oferecer um melhor contexto, a obra tem uma narrativa ágil e objetiva, que transita de um ponto a outro sem se prender ou alongar demasiadamente nas situações, e investe na apresentação de poucos personagens, dedicando-se quase exclusivamente à jornada de seu protagonista, sem grandes surpresas ou bifurcações.

Essa simplicidade, ao mesmo tempo que confere uma agilidade, também a torna dependente de conveniências e vítima de uma previsibilidade. Quando parece haver algo errado, a coisa realmente está errada; o personagem que parece malvado, se confirma como tal. A partir do momento em que o personagem decide se rebelar contra seus antigos empregadores, a história engrena de forma acelerada e a se resolver com certa facilidade. Porém sua resolução acertada, em que o personagem perde tudo que foi ensinado a valorizar, mas é premiado com a liberdade e o propósito que em sua breve vida nunca conhecera, valoriza a obra e brinda o leitor com sua mensagem mais forte.

Em termos de arte, Rasec apresenta um traço carente de um maior refinamento, passando, em diversos pontos, a impressão de que por algum motivo as páginas foram deixadas sem a devida finalização. Embora uma arte mais rebuscada valorizasse visualmente o trabalho, essa falta de um maior capricho na arte-final pouco ou em nada incomoda, pois a narrativa e o ritmo imposto são envolventes o bastante para sobrepujar esse aspecto, que se mostra secundário.

Se a ambientação e elementos estéticos típicos de ficção cientifica sejam o que inicialmente mais chamam a atenção, no entanto, é na exposição de seu teor critico que a obra se eleva. A crítica ao modo como o mercado de trabalho explora e aliena a mão de obra, tratando os indivíduos que a compõe não como sujeitos providos de particularidades e necessidades, mas como engrenagens descartáveis e substituíveis que compõem um maquinário maior, é o que há de mais agudo no texto, que apesar de demandar um maior apuro em alguns trechos, é bem resolvido em seu todo.

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