[Resenha] Lâmina Azulada

Lâmina Azulada[1] (2020) conta a épica jornada de Euclides, um velho cangaceiro que carrega uma pesada culpa por atos cometidos durante a juventude. Escrita por Luís Carlos Sousa e desenhada por Rafael Dantas, a História em Quadrinhos usa elementos da iconografia nordestina mesclados com elementos de fantasia para criar sua própria mitologia.

Lâmina Azulada coloca cangaceiros diante de figuras fantásticas.

Euclides é chamado à aventura quando é recrutado por Severino, um barqueiro de almas que deseja sua ajuda para derrotar o senhor a quem serve. O vilão tenta manipular a culpa e os anseios do humano, assim como, convencê-lo de que suas necessidades são semelhantes. O ente espiritual tenta persuadir o mortal disso quando afirma “Severino entende Euclides. Sabe o que é pescar pra dar a outro senhor e depois não ter nem sua pesca”, aludindo ao passado do velho como jangadeiro. A analogia faz sentido, e coloca os personagens em paralelo pela primeira vez. Em um ponto mais avançado da trama, eles se colocariam no lugar um do outro, embora com intenções distintas.

A recusa do homem revolta a entidade vinculada ao mundo dos mortos que, como retaliação, amaldiçoa o protagonista, privando-o do seu “direito natural” de morrer. Com o intuito de reivindicar sua prerrogativa, Euclides vai à busca da “Lâmina Azulada” (uma arma mística inspirada na lendária Excalibur da lenda do Rei Arthur). Para realizar essa missão, o herói conta com um auxílio sobrenatural e, seu encargo de ajuste de contas com o barqueiro, acaba levando-o a uma busca de redenção e reparação por seus pecados pregressos.          

É mostrado que, quando jovem, Euclides e seu bando tiveram um embate decisivo contra um grupo de policiais que terminaram por matar seu mentor. Após o ocorrido, ele adota para si uma missão de vingança contra aqueles que mataram os seus. O rapaz então se une à cangaceira Diadorim que tenta mantê-lo na linha, ainda que prometa que, na hora certa, ela o ajudará em seu propósito. Porém, a ânsia do ex-jangadeiro foge do controle e, no impulso, busca uma solução sobre-humana que acaba tendo consequências inesperadas.            

Em termos narrativos, a obra escapa do convencional ao apresentar a história no presente, alternando com flashbacks não lineares que revelam diferentes momentos da vida do protagonista e que foram decisivos para sua queda e de seus aliados. Deste modo, que o leitor deve estar atento para alinhar as peças que compõem a jornada. Feita de maneira errada, essa forma de narrar, poderia causar confusão, mas em nenhum momento isso ocorre em Lâmina Azulada.

Embora apenas Euclides seja desenvolvido com uma maior profundidade, o enredo apresenta bons personagens coadjuvantes, com personalidades e propósitos bem definidos: como a honrada Diadorim, o fiel cão Curió e o manipulador vilão Severino. O conceito visual dos personagens é competente e criativo, especialmente nos entes sobrenaturais, contribuindo para a boa representação destes. A trama tem um ritmo fluido proporcionado pelos diálogos rápidos e capítulos curtos. A boa composição de quadros e diagramação de páginas também contribui para uma boa dinâmica narrativa.

No fim das contas, a história termina por consistir em uma parábola, deixando algumas lições, como a mensagem de que a sede de vingança pode levar a ruína de si próprio e dos que estão à sua volta, tudo isso sem ser explicito na mensagem.


[1] A obra foi vencedora do XI Edital das Artes da Secretaria de Cultura do Ceará, promovido em 2016, um projeto apoiado pelo Governo do Estado do Ceará através da Secretaria da Cultura, Lei nº 13.811, de 16 de agosto de 2006.

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