[Resenha] Silvestre

Silvestre (2019) é uma História em Quadrinhos escrita e ilustrada por Wagner William. Publicada pela editora Darkside, a obra foi vencedora do Prêmio Jabuti (no ano de 2020) na categoria História em Quadrinhos. A história, dividida em três capítulos (Seguia o rastro de um raro animal, A celebração, O apressado come cru), transita entre a fantasia e o terror e acompanha um velho caçador que vive solitário em uma cabana e tira da floresta seus meios de subsistência.

Em Silvestre, uma estranha celebração reúne figuras de diferentes mitos.

De inicio, a graphic novel observa a relação entre o protagonista, os animais e o ambiente selvagem em que estão inseridos. Destacando o ponto de vista de lamento do ancião sobre seu estado de debilidade física decorrente da velhice e a condição solitária com a qual convive desde a morte de sua esposa. Há momentos que indiciam que a saúde mental do personagem seja questionável e há pistas sobre um acontecimento trágico do passado que deixou traumas.

O enredo ganha contornos sobrenaturais no segundo capítulo quando o eremita prepara uma torta. O cheiro do alimento assando atrai criaturas diversas, desde animais falantes a entidades fantásticas referentes a aspectos da natureza, além de lendas e mitos de diferentes culturas, definidas no texto como “deuses debaixo da terra” e “criaturas nômades ancestrais”. O modo espontâneo e pacifico como essas figuras se apresentam, dá a entender que o preparo da torta tinha um caráter ritual de oferenda a essas divindades pagãs, algo dedicado em troca de alguma forma de benesse.

Durante a celebração, os estranhos convidados discutem sobre a característica humana de tentar se desligar da natureza e negar seus elementos animalescos, além de sua busca por se preencher por meio do acúmulo de posses. Com o passar do tempo, a festa se converte em um culto à carne que abrange violentos sacrifícios e uma orgia desenfreada.

De início, a obra tem uma aparência de livro ilustrado, porém no decorrer das páginas a narrativa de quadrinhos se faz prevalecer, ainda que no miolo haja segmentos em que as duas formas de narrativas se alternem. A obra faz um curioso uso do texto, quando utiliza uma composição em que a palavras adquirem uma formatação que dialoga com aquilo que significam.

O artista faz um trabalho diferenciado no que concerne à sua arte. O estilo de desenho e pintura muda de um quadro a outro e entre as páginas. Em alguns momentos é mais caprichada e realista em traço e cor, em outros, mais impressionista e até esboçada. O arranjo dos quadros nas páginas nunca se repete, de modo que a leitura individual de cada página gera uma sensação de frescor e unicidade.

Silvestre não é para leitores que esperam uma obra convencional. O enredo tem um ritmo próprio que não se apressa e progride lentamente a caminho de seu clímax e resolução surpreendente. Com uma prosa refinada, Wagner Willian apresenta um texto cheio de metáforas que dá margem a diferentes interpretações, deixando no ar mais perguntas do que respostas. Até que ponto os acontecimentos fantásticos que compõem grande parte da história é real ou não passa de uma fantasia de uma mente débil, é algo que fica em aberto.

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