[Resenha] Contos dos Orixás

Há séculos, mitos ligados à criação do mundo, à origem da humanidade e conflitos entre deuses e mortais fazem parte do imaginário humano; resultando em fabulosas epopeias que transmitem ensinamentos sobre nossas ações e falam muito sobre quem somos. Deuses e heróis ligados aos elementos da natureza como os raios e tempestades, as águas e o fogo, entre outros, compõem diferentes panteões mundo afora. Em Contos dos Orixás (2019), História em Quadrinhos escrita e ilustrada por Hugo Canuto, somos introduzidos a esses arquétipos sob a ótica da cultura e crenças de origem africana.

Contos dos Orixás apresenta as divindades africanas com “tempero” de HQ de super-heróis.

Na aventura conduzida por Canuto, a cidade mãe, um refúgio sagrado e fonte de uma poderosa magia, é ameaçada por Ajantala, um tirano ligado á entidades malignas, que busca o local visando o poder que lá se encontra. Com a intenção de impedir que a ameaça se concretize, um grupo de mensageiros liderados pelo ancião Larô, se dirige ao reino de Oyó em busca do auxilio de Xangô e Oyá, respectivamente, o senhor do trovão e a divindade dos ventos.

Imbuídos da missão, Oyá, Xangô e partem acompanhados por sua fiel guarda e Exu, entidade mensageira, que encurta distancias para o grupo. No caminho, os guerreiros atravessam um portal que atravessa o espaço entre o mundo físico (Aiyê) e a dimensão espiritual (Orum), encontram inimigos e são auxiliados pelo guerreiro Ogum. O senhor das duas espadas guia os viajantes até o local sagrado pouco antes da chegada de Ajantala e sua “manada”. Neste ponto, dá-se a batalha que decide o destino da cidade. Durante o clímax, os dois lados opostos se confrontam e a amplitude dos poderes dos Orixás se revela de forma plena.

O primeiro ponto que chama atenção sobre a obra é seu visual inspirado no estilo de Jack Kirby, artista que foi um dos pilares da criação dos super-heróis da Marvel, e autor bastante interessado em narrativas mitológicas, como visto em seus trabalhos em quadrinhos como Thor, Novos Deuses e Eternos. A inspiração no trabalho de Kirby se dá por meio de estilo de traço, efeitos de sombreamento, composições de páginas; assim como na utilização de linhas, texturas e conceitos visuais de personagens comuns à arte do “Rei dos Quadrinhos”.

A publicação é mais voltada à ação do que ao desenvolvimento de personagens, por isso os diálogos não se alongam, permitindo que a narrativa leve os personagens de ação a ação, de forma quase ininterrupta. Esse estilo de escrita aparenta ser proposital, visto a reverência do autor ao trabalho de Kirby em seus tempos áureos. Apesar disso, Canuto faz um trabalho competente em delinear as personalidades de cada um dos orixás dentro do estereotipo que lhes cabe e os mantém fiel à suas representações icônicas, ao mesmo tempo em que os redefine com tons dos paladinos dos comics.

Ainda que os diferentes povoados apresentados na HQ sejam apresentados sem muito aprofundamento, existem detalhes que apontam para diferenças fundamentais em questão de estilo de vida, configurações politicas e religiosas. Também no aspecto visual, Canuto é certeiro na composição de cenas de ação e em painéis de página inteira que resultam em quadros que expressam dinamismo e energia.

Entre as referências míticas e o apreço à narrativa super heroica, Contos dos Orixás consegue se sobressair com uma identidade própria e funciona a contento seja como homenagem aos quadrinhos americanos clássicos ou introdução à mitologia Iorubá; atesta o potencial deste conjunto de divindades para protagonizar histórias de aventura e desmistifica estigmas negativos que pairam sobre estes.

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