[Onomatopeia Entrevista] CABRUUUM! Leander Moura: a capacidade única para criar imagens assustadoras

Sombras e suspense são as matérias-primas principais da produção de Leander Moura, ilustrador, artista plástico e quadrinista potiguar aficionado pelo gênero com a capacidade única de gelar o sangue, disparar pulsações e fazer corações palpitarem. Seu traço diferenciado, que une realismo e estilização, é reflexo de uma miscelânea de referências que vão desde representantes da nona arte, da pintura e do design.

Leander Moura é uma artista/autor que tem dedicado sua carreira às Histórias em Quadrinhos de terror.

Fisgado pelas narrativas gráficas por meio de aventuras heroicas durante a infância, foi ao terror que Leandros Gomes de Moura, o Leander, dedicou sua carreira como autor. Suas primeiras HQS publicadas datam de seu período na faculdade de Artes Visuais na UFRN, tendo a revista online K-ótica como veículo. É nesse período que se inicia o processo criativo de O Evangelho Segundo o Sangue, romance gráfico de fantasia e terror (produzido em coautoria com Marcos Guerra), ambientado no século XIX na cidade do Natal, e que consistiu em seu primeiro projeto de destaque e boa repercussão.

Daí em diante a produção de Leander ganhou fôlego e seu nome passou a constar em publicações prestigiados, seja em obras autorais individuais, ou colaborações em coletâneas temáticas. Seu currículo artístico registra trabalhos como Visualizando Citações (2013), Lovenomicon (2015), Coletânea Potiguar de Quadrinhos (2016), Maldito Sertão em Quadrinhos (2016), Horas Escuras (2018); VHS-Video Horror Show, Insonho (2019) e O Corvo (2019). Nos últimos anos, Leander seguiu sua trajetória ascendente assinando histórias para Universo Zero (2020), Os Gatos de Ulthar (2020), Dossiê Bizarro (2021), Dossiê Bizarro: Demoníaco (2022), Abaddon (2022), Almanaque Gibi do Terror n° 1 (2023) e A Besta (2023).

Todos os trabalhos mencionados compartilham de um elemento em comum: o traço marcado pelo alto contraste e as narrativas de tirar o fôlego que tanto caracterizam as realizações de Leander Moura. Esses e outros elementos são elencados na entrevista a seguir.

Onomatopeia: Eu vi em algum lugar você comentar que a primeira História em Quadrinhos que lembra de ter lido foi da Turma do Penadinho. É aí que surge seu interesse por histórias e personagens sombrios? Fale um pouco sobre suas primeiras leituras e interesses no campo dos quadrinhos e no gênero terror.

Leander Moura: Sim, é verdade. Não me lembro de “ter lido” no sentido literal, quer dizer, ainda não conhecia bem as letras, palavras e como construir frases, isso foi no período de alfabetização. De algum modo, ler as figuras e todo aquele universo sombrio e, ao mesmo tempo, carismático chamou a minha atenção. Não sei se foi ali que realmente começou minha preferência pelo “lado sombrio da força”, mas, foi plantada uma semente. Tenho uma vaga lembrança de minha mãe, a dona Francisca, ter trazido pra casa numa ocasião (eu devia ter entre oito ou nove anos), algumas edições avulsas de super-heróis como Homem-Aranha, Super-homem, Batman, Jaspion, Trapalhões, entre outras. Assim, essas foram minhas primeiras leituras. Curiosamente, nada do gênero horror, até porque nessa época (início dos anos 1990) Marvel e DC dominavam as bancas em todo o país, deixando pouco espaço para outras vertentes.

Agora, o que realmente fisgou meu interesse no horror foram os filmes exibidos no Cinema em casa (SBT), Sessão da tarde (Globo) e o Cine Trash, programa exibido todas as tardes na Band entre 1996 e 1997, e apresentado pelo ícone do terror, do Caixão, interpretado pelo saudoso José Mojica Marins. Nesse sentido, devo dizer que o cinema exerceu forte influência sobre minha predileção pelo gênero horror. Depois, a literatura, e as HQs como Sandman, Hellblazer, Conan, entre outras.

Onomatopeia: Eu li que artistas como Dave Mckean, Mike Mignola e Eduardo Risso estão entre suas inspirações. Que características esses artistas têm que mais o atraem e que elementos você tenta reproduzir na sua arte? Além desses que (outros) artistas nortearam seu processo de definição de traço?

Leander: Sim, sou grande fã dos artistas citados. O que mais me atrai é a maneira como cada um conduz sua narrativa, seja na forma cadenciada das ações, ou como permitem explorar as sutilezas de um gesto, um olhar, isto é, um simples detalhe faz uma diferença enorme se a história é bem contada, não só pelo roteiro, mas também pela arte. Afinal, texto e imagem são mescladas e viram outra coisa, algo maior e único. Essa é a magia das HQs. Bom, sempre procuro criar uma narrativa imersiva, onde o leitor(a) possa sentir a atmosfera, e se “desligar” da realidade ao seu redor, nem que seja por pouco tempo.

Sou licenciado em Artes Visuais (UFRN), além de quadrinista e ilustrador, então é natural sofrer influências de diversos artistas, seja da pintura; como Bosch, Caravaggio, Goya, Van Gogh, da gravura; Gustave Doré, John Tenniel, design; H. R. Giger, das HQs; Alberto Breccia, Andrea Sorrentino, Brian Bolland, Domingo Mandrafina, Francesco Francavilla, Frank Quitely e Manu Larcenet, entre alguns nomes. Algumas influências estão sempre com você, outras saem, outras surgem. O mais importante é estudar, pesquisar e extrair o melhor de cada, e aplicar ao seu trabalho, mas sem se transformar numa cópia genérica (plágio é crime). Isto é, crie seu “estilo” ou estética única e reconhecível.

Onomatopeia: Até que ponto esse traço característico e reconhecível abre oportunidades para o seu trabalho? De algum modo isso estigmatiza e estreita seus horizontes artísticos?

Leander: Na verdade, ter um traço marcante e reconhecível ajuda bastante, pois traz oportunidades únicas, especialmente quando você decide trabalhar dentro de um determinado gênero, no meu caso, o horror (e seus subgêneros). Já peguei trabalhos, tanto nos quadrinhos como ilustração de livros pela capacidade de criar imagens assustadoras e misteriosas. Claro, às vezes é bom mudar, fazer algo diferente do habitual. O importante é criar cenas vividas e que tragam uma história.

A Caravela, ilustração interna da HQ de O Evangelho Segundo o Sangue, de Marcos Guerra (texto) e Leander Moura (arte).

Onomatopeia: O Evangelho Segundo o Sangue marcou sua estreia na publicação de quadrinhos. Como foi o processo criativo dessa publicação? Que aprendizados você teve nesse processo que lhe ajudaram em seus trabalhos seguintes?

Leander: Na verdade, fiz algumas coisas curtas antes, publicadas na webcomic Kótica, mas O Evangelho Segundo o Sangue ganhou certo destaque. O processo criativo foi bem conturbado por diversos motivos. A história começou a ser produzida e publicada em 2009 (eu estava no terceiro ano da faculdade de artes visuais na UFRN, e ainda trabalhava na rouparia de um hospital em Parnamirim), e só foi concluída em 2014, ano em que foi compilada num volume único, e publicada de forma independente. Marcos Guerra, roteirista e coautor da história, e eu nos reuníamos regularmente para desenvolver a trama; ideias, referências, citações, entre outras particularidades. Foi um processo exaustivo, mas muito proveitoso do ponto de vista criativo, pois nos permitiu ganhar ritmo e explorar uma narrativa vampírica longa, onde ficção e realidade se mesclavam numa toada poética.

Onomatopeia: Você cita Horas Escuras como um pronto de virada no alcance do seu trabalho. Como foi a recepção desse trabalho e que frutos ele trouxe para você?

Leander: Escrever o roteiro da HQ Horas Escuras foi um “presente de casamento” para a Cristal Moura. É isso mesmo que você leu. Até então, não tínhamos feito nada juntos. Trabalhamos em Maldito Sertão (Editora Escribas, 2016), adaptação em quadrinhos do livro homônimo do autor Márcio Benjamin, mas não diretamente. Daí, pensei em criar uma história sobre possessão, mas com uma abordagem um pouco mais sutil. Assim, os filmes O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski, e A Bruxa (2015), de Robert Eggers, bem como os textos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft foram fontes de inspiração.

A trama, dividida em três atos (um e dois, é o presente, e três representa o passado) traz um casal, José e Maria que faz um pacto com uma entidade, e obviamente, isso dá muito errado. Assim, ambos terão que lidar com as consequências de suas ações, mas também mostra que o trato feito no passado afetou toda a comunidade ao seu redor. Curiosamente, a obra foi lançada na mesma época em que o filme Hereditário (2018), de Ari Aster chegou aos cinemas, e algumas resenhas em blogs, sites e canais no Youtube apontaram semelhanças entre as obras. Não à toa, pois, ambas tratam do mesmo tema, cada uma à sua maneira.

Este trabalho em particular, lançado no FIQ (Festival de quadrinhos de Belo Horizonte) teve ótima repercussão, e atraiu pessoas que não eram necessariamente leitores de quadrinhos, o que por si só já é ótimo, pois “furou a bolha” e, em 2020, a obra foi inserida e analisada no quarto capítulo da tese de doutorado em Antropologia Social (UFRN) cujo título é Estamos vivos e produzindo”: narrativas, práticas e visualidades do fazer quadrinhos em Natal (RN) e João Pessoa (PB) da doutoranda Deyse de Fátima do Amarante Brandão. Para nós, é uma obra que traz muito orgulho, porque abriu portas para outros caminhos. Horas Escuras já esgotou duas tiragens e ainda continua a assombrar muita gente.

Horas Escuras foi um presente de casamento de Leander para sua companheira Cristal Moura.

Onomatopeia: Sua principal parceria nos quadrinhos é com sua esposa Cristal Moura. Como vocês se conheceram? Como é trabalhar com sua esposa? Quais os prós e contras de uma parceria nesse nível?

Leander: Eu e a Cristal nos conhecemos num sebo, o sebo do “Irmãozin”, em Parnamirim, RN em meados de 2005. Acontece que, ambos tínhamos amigos em comum por causa de um curso de serigrafia, feito em épocas diferentes. Assim, numa ocasião, eu estava voltando pra casa do trabalho, e resolvi passar por ali no dito sebo. Ela estava apresentando alguns desenhos e pinturas para o dono do estabelecimento, com o objetivo de vendê-los. Reconheci a assinatura e começamos a conversar. Muita gente pensa que nos conhecemos na faculdade, mas não é verdade. Fizemos cursinho pré-vestibular, e ingressamos em anos diferentes; eu em 2007 e ela em 2008. Com o tempo, viramos amigos, namorados, noivos e casados.

Trabalhar com ela é maravilhoso e, ao mesmo tempo, bem difícil porque eu sou muito exigente e, às vezes, isso traz certas complicações. Contudo, a grande vantagem é que apoiamos o trabalho um do outro. Temos uma sincronia forte que nos permite trocar informações, bem como incentivar a melhoria de nossas criações artísticas. A lista da produção conjunta inclui os álbuns Horas Escuras (Editora Escribas, 2018), Insonho (Independente, 2019), e em antologias como VHS (Selo Belzebooks, 2019), Dossiê Bizarro – Demoníaco (Editora Skript, 2022), Abaddon (Selo Belzebooks, 2022), Fractal – Realidades Estranhas (Selo Ponzo Books, 2022) e Almanaque gibi do terror (CAC, 2023).

Onomatopeia: Apesar de você ter muitas inspirações de autores estrangeiros você sempre tem um trabalho de transportar as histórias para cenários locais. Isso é uma preocupação pensada ou é algo que surge naturalmente?

Leander: Sim, sempre que possível, tento criar histórias dentro de nossa realidade, seja na cidade, estado ou país (com exceção das adaptações de O Corvo, de Edgar Allan Poe e Os gatos de Ulthar, de H. P. Lovecraft). O motivo é muito simples: identidade e conexão. Convenhamos, é mais fácil explorar ambientes que nós conhecemos do que um lugar que nunca visitamos antes ou até mesmo nem tenha ouvido falar a respeito. Stephen King, por exemplo, usa o estado do Maine, onde viveu a maior parte da sua vida, mesmo depois de casado, como o cenário que mais inspira os seus livros. Assim sendo, podemos dizer que criar histórias em ambientes que conhecemos permite uma conexão maior entre o autor e público.

Onomatopeia: As obras de horror clássicas geralmente se passam em lugares frios e enevoados, Natal é um lugar quente e solar. Isso é um desafio a mais na hora de transpor narrativas do gênero para o território local, ou esse aspecto não influencia?

Leander: Confesso que nunca tive essa preocupação. Meu objetivo é tentar contar uma boa história, independentemente do local ou época.

(…) ter um traço marcante e reconhecível ajuda bastante, pois traz oportunidades únicas, especialmente quando você decide trabalhar dentro de um determinado gênero, no meu caso, o horror (e seus subgêneros). Já peguei trabalhos, tanto nos quadrinhos como ilustração de livros pela capacidade de criar imagens assustadoras e misteriosas. Claro, às vezes é bom mudar, fazer algo diferente do habitual. O importante é criar cenas vividas e que tragam uma história.

Leander e Cristal Moura mantém uma parceria que se estende da vida pessoal para os quadrnhos. 

Onomatopeia: Outo ponto que chama atenção em suas Histórias em Quadrinhos é que a sensação de horror fica muito mais no campo da sugestão, na construção de um suspense, do que da exposição de imagens chocantes. Quais influências o ajudaram a desenvolver esse estilo narrativo?

Leander: Bom, para início de conversa, o horror por si só é um gênero que trabalha com o lado psicológico do ser-humano. E, apesar de muitos acreditarem que histórias de terror/horror são feitas para dar sustos, sou obrigado a dizer que não é só isso. Na verdade, o medo é consequência de uma narrativa bem construída. Isto é, o gênero horror oferece uma das mais amplas gamas de temas para semear sentimentos inesperados e intensos no público. Pode incomodar e perturbar em doses pequenas, mas constantes, para nos confrontar como público com o pior de nós mesmos a uma distância segura. A última experiência de catarse.

Como influências, posso citar alguns cineastas como Alfred Hitchcock, John Carpenter, Steven Spielberg, Robert Eggers; escritores (as) como Mary Shelley, Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft e Stephen King, e por fim, roteiristas/quadrinistas como Allan Moore, Neil Gaiman, Brian Azzarello, Charles Burns, Eduardo Risso, Flávio Colin, Frank Miller, Jill Thompson, Júlio Shimamoto, Mike Mignola, e Thomas Ott. Claro, essas influências são acrescidas de outras tantas conforme os anos passam.

Onomatopeia: Em 2017, foi realizada sua primeira exposição individual intitulada E.L.A, “um misto de quadrinhos, instalação e pintura”, depois transposta para as páginas em Universo Zero, coletânea indicada, em 2021, ao troféu HQMix de melhor publicação independente. Como é que surge o conceito e como foi colocar em prática essa narrativa tão experimental?

Leander: A narrativa E.L.A surgiu da necessidade de querer criar algo mais intimista e delicado. Assim, veio à ideia de contar uma história sobre a desconstrução da identidade. Ao mesmo tempo, também queria exercitar mais a técnica da aquarela e pedi para a Cristal confeccionar diversos skecthbooks, onde pudesse criar imagens dentro de uma sequência narrativa. No total, foram dois cadernos e uma série de pinturas avulsas. No fim de 2016, abriu um edital para ocupação da Galeria de Artes do IFRN Cidade Alta, Natal, RN. Organizei o material e inscrevi o projeto, fui aprovado, e em fevereiro de 2017 a exposição foi realizada, com ótima recepção, diga-se de passagem. A mostra trabalha conceitos de simulacro de realidade ao construir uma narrativa de ficção científica que conta a história da personagem E.L.A.

O conceito para a exposição surgiu dos seus esboços e experimentos criativos. As figuras criadas em seus estudos eram reflexivas e seguiam uma linha narrativa. O nome “E.L.A” surgiu da forma como a personagem é chamada, isso porque ela não tem nome, nessa narrativa; o nome não tem importância. Além do mais, o público conheceu a personagem na exposição, que estava disposta como um percurso narrativo no qual o visitante transitava pela galeria como se estivesse folheando um livro. Anos mais tarde, resolvi fazer outras versões da narrativa; uma delas está publicada na coletânea Universo Zero, e outras duas, em meu perfil no Instagram. Contudo, são versões diferentes entre si, e talvez algum dia, quem sabe, “essa versão original” saia do papel, ou melhor, vai para o papel.

Onomatopeia: Você participou da coletânea Maldito Sertão em Quadrinhos, adaptando contos do livro de Marcio Benjamin. Essa foi sua primeira experiência na transposição de uma obra literária para as HQs? Nesse trabalho você toma alguma liberdade criativa ou traduz as histórias originais de forma mais literal?

Leander: Sim, foi a primeira vez que adaptei um livro/conto para os quadrinhos. Na verdade, a adaptação foi feita por diversos autores (Cristal Moura, Mario Rasec, Renato Medeiros, Rodrigo Xavier e eu), e isso foi ótimo, pois possibilitou abordagens estilísticas de acordo com a textualidade e traços únicos de cada um. Além disso, Márcio Benjamin, o escritor do livro original, foi muito gentil e nos deixou livres para trazer nossa visão da obra. Fizemos versões em quadrinhos fiéis aos textos, mas em alguns casos fomos mais longe, e criamos algo totalmente diferente. Aqui cabe dizer que o mais importante é preservar a essência, e não fazer igual, até porque, se fosse esse o caso, não faria sentido, além de ser crime de plágio.

Em O Corvo, Leander Moura adapta o poema clássico homônimo de Edgar Allan Poe.

Onomatopeia: Em O corvo, você adaptou o poema, de Edgar Allan Poe. Como nasce a ideia de transpor o texto de Poe para os quadrinhos e qual foi o desafio desse processo, que sutilezas do texto original foram mais complicadas de traduzir em artes sequenciais?

Leander: A HQ Horas Escuras já tinha influência de Edgar Allan Poe, mas sequer passava pela cabeça um dia adaptar algo dele. Porém, desde 2018, eu e a Cristal começamos a participar com mais frequência de feiras, e felizmente vendíamos relativamente bem, o que paradoxalmente gerava um problema: estoque de material. No início de 2019, ministrei uma oficina de HQs pelo Centro Cultural Banco do Nordeste, em Juazeiro do Norte (CE), através de seleção em chamada pública e, ao receber o cachê, pensei em fazer uma publicação de forma independente.

Na época, lembro que tinha feito uma pintura de um corvo com a técnica da aquarela no tamanho A5, e acredite, aquilo foi revelador, o tema da publicação estava bem na minha frente. Assim, o maior desafio ao adaptar uma obra como O Corvo, é justamente preservar sua essência. Não é uma tarefa fácil, sem falar que você está “mexendo” numa obra canônica de um dos maiores escritores de todos os tempos. Quer dizer, é preciso ser audacioso ou louco e, para minha sorte, a HQ foi muito bem recebida, tanto é que, no mesmo ano, ganhou uma versão ampliada pela Editora Diário Macabro (SP) e, em 2020, foi indicada ao troféu HQMix de melhor adaptação literária e ao III Prêmio ABERST – Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror.

Onomatopeia: Você também adaptou o conto Os gatos de Ulthar, de H.P. Lovecraft. O quanto trabalhar com a adaptação de uma obra clássica apresenta de estimulante e o quanto é inquietante mexer na obra de um autor renomado?

Leander: Como disse na resposta anterior, o desafio é preservar a essência da obra original, mas ao mesmo tempo, desvelar outras camadas intrínsecas ao novo formato. Isto é, contar a narrativa a partir de uma perspectiva diferente. Novamente, não é uma tarefa fácil, afinal, você pode mexer “num vespeiro” muito mais perigoso do que imagina. Contudo, com um planejamento cuidadoso, é possível alcançar um resultado que agrade você mesmo e até os fãs mais radicais. Interessante salientar que escolhi adaptar o conto Os gatos de Ulthar, de H. P. Lovecraft para os quadrinhos não só porque gosto do texto do autor, mas sim por trazer criaturas que tenho um apreço muito especial. O texto completou cem anos em 2020, e percebi que ninguém tinha feito uma adaptação para outra mídia, ou seja, todo mundo sempre escolhia os contos do famoso ciclo de Cthulhu, e eu optei pela contramão. A obra foi publicada em 2020, pela Editora Diário Macabro, através de uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo (plataforma Catarse), recebendo muitas críticas positivas e, em 2021, recebeu três indicações ao HQMix (melhor adaptação literária, novo talento roteirista e publicação de aventura/terror/fantasia). O resto é história.

Onomatopeia: Seu trabalho mais recente é Abaddon, uma coletânea de Histórias em Quadrinhos de horror e suspense inspiradas pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Fala um pouco sobre esse quadrinho.

Leander: A Abaddon, surgiu de Rodrigo Ramos, editor, organizador e um dos roteiristas do projeto. Queríamos fazer um projeto coletivo a cada ano que reunisse autores que trabalharam na HQ VHS – Video Horror Show, obra premiada com o HQ Mix de Melhor Edição Independente de Grupo e indicada ao Ângelo Agostini de Melhor Lançamento Independente. Assim, o Selo Beelzebooks, criado para abarcar essas histórias traz Abaddon, coletânea de histórias em quadrinhos de horror e suspense inspiradas pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Peste, Guerra, Fome e Morte em 96 páginas de destruição em preto e branco. A HQ começou a ser produzida e planejada para sair no fim de 2020, mas veio a pandemia de Covid-19, e alterou tudo e todos. Quer dizer, a ficção se chocou com uma realidade muito mais assustadora, e isso foi demais para algumas pessoas, culminando numa gradativa diminuição de ritmo da produção. Desse modo, decidimos adiar a publicação em 2021, e somente em 2022 a produção foi concluída, e submetida ao financiamento coletivo (plataforma Catarse), bem como seu consequente lançamento na CCXP 2022. História apocalíptica, não? Infelizmente a mais pura verdade.

Lovenomicon homenageia H. P. Lovecraft em narrativas de horror cósmico ambientadas em Natal.

Onomatopeia: Cite uma onomatopeia (que você goste da grafia, sonoridade ou que tenha um significado especial). A proposta da entrevista é ter uma onomatopeia no título.

Leander: Confesso que quase não utilizo onomatopeia em meu trabalho, por acreditar que histórias de horror admitem uma abordagem mais focada na sugestão, isto é, na possibilidade de algo que não vemos. Naturalmente, “ver o som” de algo pode prejudicar a imersão. Claro, essa é apenas minha opinião e meu modo de ver o gênero. Contudo, se é para escolher uma onomatopeia, fico com CABRUUUM!, que representa o trovão que prenuncia a chuva ou sinal de algo sombrio.

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